domingo, maio 23, 2010

Nota III

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.


Clarice Lispector


Tenho meditado muito a esse respeito.

Canção da Semana : The Who - Love Reign O'er Me






Amor, Reine Sobre Mim

Apenas o amor

Pode fazer chover

Do modo que a praia é beijada pelo mar

Apenas o amor

Pode fazer chover

Como a transpiração dos amantes

Posto nos campos.


Amor, reine sobre mim

Amor, reine sobre mim, chova sobre mim

Apenas o amor

Pode trazer a chuva

Que faz você desejar o céu

Apenas o amor

Pode trazer a chuva

Que cai como lágrimas lá do alto


Amor, reine sobre mim


Na árida e empoeirada estrada

As noites que passamos sós

Eu preciso voltar para casa, para a fresca fresca chuva

Não sou capaz de dormir então me deito e penso

A noite é quente e negra como tinta

Ó Deus, eu preciso de uma dose da fresca fresca chuva

sábado, maio 22, 2010

Discurso - O Grande Ditador





Percepção







Durante esta semana postei um texto e uma canção escritos por Charles Chaplin , que sempre foi uma figura que me interessou muito , não pelo artista ou a pessoa em si ,mas, pelo trejeitos, as caras e bocas e a sutileza de agir do mundo e da época que o produziram.
Fico vendo na minha mente um cinema lotado , com pessoas, rindo e se emocionando , com as travessuras daquele artista sem voz e daquela música sem letra que tocava ao fundo.
Era um mundo de gestos significantes e cheio e significados, muitos indeléveis e tão sutis que para que a vida acontecesse, naquele tempo, era necessário um grande treinamento social , acredito eu , mais de observação e de atenção do que de qualquer outra coisa. Em resumo , um mundo , pelo menos em boa parte, composto de pessoas dotadas de um bom grau de sensibilidade , onde apenas um gesto , um olhar e um movimentar de sobrancelhas detinham grandes significados.
Isto do meu ponto de vista , provavelmente exigia uma inteligência e uma percepção do social, do mundo e da vida, que em muito hoje nos escapa.
Hoje vivemos em um mundo onde a sutileza e a sensibilidade , nada ou quase nada significam, onde o significado dos olhares quase se perdeu. Não que o mundo e as pessoas de hoje sejam piores ou melhores que os de outrora ,mas, de algumas coisas com relação a atualidade tenho algumas certezas; primeiro que poderíamos aprender muito com alguns valores do passado , entre eles uma certa sofisticação social e o segundo ponto é de que o mundo atual , pelo menos não em um horizonte próximo , não produzirá outro Chaplin .





[caption id="" align="aligncenter" width="462" caption="Do Logopédia"][/caption]

"Bem Resolvido"

Ser "bem resolvido" é ter dinheiro. Isso é o que eu ouço aqui e ali das mais variadas pessoas,  quase que constantemente.


Não sou hipócrita, acredito sim que ter dinheiro é uma coisa importante, mas, não como objetivo de vida. Acredito que o dinheiro deva ser um meio e não um fim.


Mas, então se ser “bem resolvido” não é ter dinheiro, o que é então?


Penso, que ser uma pessoa "bem resolvida" , significa possuir aquilo que de fato nos torna completos, não apenas no sentido material, mas, em um sentido amplo nos campo da vida.


É possuir algo ou conjunto de coisas , muitas vezes impalpáveis , que não fazem sentido nesse mundo bizarro, que a vida e os tempos de hoje construíram Algo que faça bem ao espírito , ao coração , a mente,enfim que nos faça sentir aquela sensação de bem estar e de leveza do corpo e d'alma. Enfim rejuvenesça a alma , como um bom copo de água fresca em um dia de calor.


Ou simplesmente, como resumiu sabiamente um amigo, enquanto conversávamos sobre este mesmo tema , “aquilo que produza o equilíbrio necessário a cada um”.

quinta-feira, maio 20, 2010

Quando me Amei de Verdade







Quando me amei de verdade, compreendi que em qualquer circunstância, eu estava no lugar certo, na hora certa, no momento exato.

E então, pude relaxar.

Hoje sei que isso tem nome... Autoestima.

Quando me amei de verdade, pude perceber que minha angústia, meu sofrimento emocional, não passa de um sinal de que estou indo contra minhas verdades.

Hoje sei que isso é...Autenticidade.

Quando me amei de verdade, parei de desejar que a minha vida fosse diferente e comecei a ver que tudo o que acontece contribui para o meu crescimento.

Hoje chamo isso de... Amadurecimento.

Quando me amei de verdade, comecei a perceber como é ofensivo tentar forçar alguma situação ou alguém apenas para realizar aquilo que desejo, mesmo sabendo que não é o momento ou a pessoa não está preparada, inclusive eu mesmo.

Hoje sei que o nome disso é... Respeito.

Quando me amei de verdade comecei a me livrar de tudo que não fosse saudável... Pessoas, tarefas, tudo e qualquer coisa que me pusesse para baixo. De início minha razão chamou essa atitude de egoísmo.

Hoje sei que se chama... Amor-próprio.

Quando me amei de verdade, deixei de temer o meu tempo livre e desisti de fazer grandes planos, abandonei os projetos megalômanos de futuro.

Hoje faço o que acho certo, o que gosto, quando quero e no meu próprio ritmo.

Hoje sei que isso é... Simplicidade.

Quando me amei de verdade, desisti de querer sempre ter razão e, com isso, errei muitas menos vezes.

Hoje descobri a... Humildade.

Quando me amei de verdade, desisti de ficar revivendo o passado e de preocupar com o futuro. Agora, me mantenho no presente, que é onde a vida acontece.

Hoje vivo um dia de cada vez. Isso é... Plenitude.

Quando me amei de verdade, percebi que minha mente pode me atormentar e me decepcionar. Mas quando a coloco a serviço do meu coração, ela se torna uma grande e valiosa aliada.

Tudo isso é... Saber viver!!!

Charles Chaplin

domingo, maio 16, 2010

Canção da Semana: Copo Vazio - Gilberto Gil







Não curti muito o clipe ,mas, a música e a poesia são ótimas.

Canção da Semana: Copo Vazio - Gilberto Gil







Não curti muito o clipe ,mas, a música e a poesia são ótimas.

Escorrida

À vezes me pego pensando o porque de tanta correria .

Corre-se para o trabalho

Corre-se para a faculdade

Corre-se para o ônibus

Corre-se para o almoço

Corre-se para o teatro

Corre-se para todo lugar

Corre-se para lugar nenhum

Corre-se de lugar nenhum para lugar algum

Não há justificativa

Mas, sim corrida

Sem razão

Sem nexo

Sem causa

Com causa

Desperdício de tempo

Desperdício de dinheiro

Ao fim desperdício de vida

Vida corrida

Vida morrida!

Escorrida

À vezes me pego pensando o porque de tanta correria .

Corre-se para o trabalho

Corre-se para a faculdade

Corre-se para o ônibus

Corre-se para o almoço

Corre-se para o teatro

Corre-se para todo lugar

Corre-se para lugar nenhum

Corre-se de lugar nenhum para lugar algum

Não há justificativa

Mas, sim corrida

Sem razão

Sem nexo

Sem causa

Com causa

Desperdício de tempo

Desperdício de dinheiro

Ao fim desperdício de vida

Vida corrida

Vida morrida!

sexta-feira, maio 07, 2010

O que acontece


é que a maior parte do tempo , boa parte da humanidade , busca maneiras de se economizar , sem saber que na verdade isto não passa de uma grande perca de tempo. Pois, o seu resultado constitui aquilo que conhecemos como uma “economia porca”, que gera mais gastos e sofrimentos que o esperado, que aliena, mortifica o espírito e envelhece a alma.


É o medo da morte que mata a vida É medo da vida que mata a vida.




Eu sei, mas não devia


Marina Colasanti


Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.


A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.


A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.


A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.


A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.


A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.


A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.


A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.


A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.


A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

O que acontece


é que a maior parte do tempo , boa parte da humanidade , busca maneiras de se economizar , sem saber que na verdade isto não passa de uma grande perca de tempo. Pois, o seu resultado constitui aquilo que conhecemos como uma “economia porca”, que gera mais gastos e sofrimentos que o esperado, que aliena, mortifica o espírito e envelhece a alma.


É o medo da morte que mata a vida É medo da vida que mata a vida.




Eu sei, mas não devia


Marina Colasanti


Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.


A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.


A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.


A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.


A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.


A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.


A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.


A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.


A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.


A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

segunda-feira, maio 03, 2010

Considerações Sobre a Vida

Hoje recebi a notícia triste da morte de um colega , um companheiro de armas na luta, por vezes ingrata, do fazer educação. Boa pessoa! Sempre com ar sério, tranquilo e silencioso.

Por vezes o via pelo corredor , o cumprimentava, trocava algumas palavras e dava algumas risadas.

Fiquei pensando por que espaços andará meu colega? Em que corredores andará? Qual a razão de tudo? Qual o sentido da vida, se é que ele existe?

Seja lá como for , se foi .

Boa partida

Boa chegada

Bom descanso

Descanse em paz!

À família meus respeitos.

Considerações Sobre a Vida

Hoje recebi a notícia triste da morte de um colega , um companheiro de armas na luta, por vezes ingrata, do fazer educação. Boa pessoa! Sempre com ar sério, tranquilo e silencioso.

Por vezes o via pelo corredor , o cumprimentava, trocava algumas palavras e dava algumas risadas.

Fiquei pensando por que espaços andará meu colega? Em que corredores andará? Qual a razão de tudo? Qual o sentido da vida, se é que ele existe?

Seja lá como for , se foi .

Boa partida

Boa chegada

Bom descanso

Descanse em paz!

À família meus respeitos.

Quotidiano


Por estes dias tenho corrido demais, sempre atarantado pela dura labuta diária. Uma luta desigual.


Lembrei dos tempos de criança , da época em que eu era aluno. Lembrei-me da aula de português da 7° série e do texto da Clarice Lispector lido durante a aula , o qual , na época me pareceu bastante introspectivo e profundo. E que hoje me parece ainda mais denso e concreto e significativo, com gosto de grito por liberdade e vida , coisas estas que por vezes parece-me escapar entre os dedos durante o corre-corre diário.


Ato Gratuito


Muitas vezes, o que me salvou foi improvisar um ato gratuito. Ato gratuito, se tem causas, são desconhecidas. E se tem consequências, são imprevisíveis.


O ato gratuito é o oposto da luta pela vida e na vida. Ele é o oposto da nossa corrida pelo dinheiro, pelo trabalho, pelo amor, pelos prazeres, pelos táxis e ônibus, pela nossa vida diária enfim - que esta é toda paga, isto é, tem o seu preço.


Uma tarde dessas, de céu puramente azul e pequenas nuvens branquíssimas, estava eu escrevendo à máquina - quando alguma coisa em mim aconteceu. Era o profundo cansaço da luta.


E percebi que estava sedenta. Uma sede de liberdade me acordara. Eu estava simplesmente exausta de morar num apartamento. Estava exausta de tirar ideias de mim mesma. Estava exausta do barulho da máquina de escrever. Então a sede estranha e profunda me apareceu. Eu precisava - precisava com urgência - de um ato de liberdade: do ato que é por si só. Um ato que manifestasse fora de mim o que eu não precisava pagar. Não digo pagar com dinheiro mas sim, de um modo mais amplo, pagar o alto preço que custa viver.


Então minha própria sede guiou-me. Eram 2 horas da tarde de verão. Interrompi meu trabalho, mudei rapidamente de roupa, desci, tomei um táxi que passava e disse ao chofer: vamos ao Jardim Botânico. "Que rua?", perguntou ele. "O senhor não está entendendo", expliquei-lhe, "não quero ir ao bairro e sim ao Jardim do bairro." Não sei por que olhou-me um instante com atenção.


Deixei abertas as vidraças do carro, que corria muito, e eu já começara minha liberdade deixando que um vento fortíssimo me desalinhasse os cabelos e me batesse no rosto grato de olhos entrefechados de felicidade.


Eu ia ao Jardim Botânico para quê? Só para olhar. Só para ver. Só para sentir. Só para viver.


Saltei do táxi e atravessei os largos portões. A sombra logo me acolheu. Fiquei parada. Lá a vida verde era larga. Eu não via ali nenhuma avareza: tudo se dava por inteiro ao vento, no ar, à vida, tudo se erguia em direção ao céu. E mais: dava também o seu mistério.


O mistério me rodeava. Olhei arbustos frágeis recém-plantados. Olhei uma árvores de tronco nodoso e escuro, tão largo que me seria impossível abraçá-lo. Por dentro dessa madeira de rocha, através de raízes pesadas e duras como garras - como é que corria a seiva, essa coisa quase intangível que é a vida? Havia seiva em tudo como há sangue em nosso corpo.


De propósito não vou descrever o que vi: cada pessoa tem que descobrir sozinha. Apenas lembrarei que havia sombras oscilantes, secretas. De passagem falarei de leve na liberdade dos pássaros. E na minha liberdade. Mas é só. O resto era o verde úmido subindo em mim pelas minhas raízes incógnitas. Eu andava, andava. Às vezes parava. Já me afastara muito do portão de entrada, não o via mais, pois entrara em tantas alamedas. Eu sentia um medo bom - como um estremecimento apenas perceptível de alma - um medo bom de talvez estar perdida e nunca mais, porém nunca mais! achar a porta de saída.


Havia naquela alameda um chafariz de onde a água corria sem parar. Era uma cara de pedra e de sua boca jorrava a água. Bebi. Molhei-me toda. Sem me incomodar: esse exagero estava de acordo com a abundância do Jardim.


O chão estava às vezes coberto de bolinhas de ararueira, daquelas que caem em abundância nas calçadas da nossa infância e que pisamos, não sei por que, com enorme prazer. Repeti então o esmagamento das bolinhas e de novo senti o misterioso gosto bom.


Estava com um cansaço benfazejo, era hora de voltar, o sol já estava mais fraco.


Voltarei num dia de chuva - só para ver o gotejante jardim submerso.



Nota da autora: peço licença para pedir à pessoa que tão bondosamente traduz meus textos em braile para os cegos que não traduza este. Não quero ferir os olhos que não veem.






Quotidiano


Por estes dias tenho corrido demais, sempre atarantado pela dura labuta diária. Uma luta desigual.


Lembrei dos tempos de criança , da época em que eu era aluno. Lembrei-me da aula de português da 7° série e do texto da Clarice Lispector lido durante a aula , o qual , na época me pareceu bastante introspectivo e profundo. E que hoje me parece ainda mais denso e concreto e significativo, com gosto de grito por liberdade e vida , coisas estas que por vezes parece-me escapar entre os dedos durante o corre-corre diário.


Ato Gratuito


Muitas vezes, o que me salvou foi improvisar um ato gratuito. Ato gratuito, se tem causas, são desconhecidas. E se tem consequências, são imprevisíveis.


O ato gratuito é o oposto da luta pela vida e na vida. Ele é o oposto da nossa corrida pelo dinheiro, pelo trabalho, pelo amor, pelos prazeres, pelos táxis e ônibus, pela nossa vida diária enfim - que esta é toda paga, isto é, tem o seu preço.


Uma tarde dessas, de céu puramente azul e pequenas nuvens branquíssimas, estava eu escrevendo à máquina - quando alguma coisa em mim aconteceu. Era o profundo cansaço da luta.


E percebi que estava sedenta. Uma sede de liberdade me acordara. Eu estava simplesmente exausta de morar num apartamento. Estava exausta de tirar ideias de mim mesma. Estava exausta do barulho da máquina de escrever. Então a sede estranha e profunda me apareceu. Eu precisava - precisava com urgência - de um ato de liberdade: do ato que é por si só. Um ato que manifestasse fora de mim o que eu não precisava pagar. Não digo pagar com dinheiro mas sim, de um modo mais amplo, pagar o alto preço que custa viver.


Então minha própria sede guiou-me. Eram 2 horas da tarde de verão. Interrompi meu trabalho, mudei rapidamente de roupa, desci, tomei um táxi que passava e disse ao chofer: vamos ao Jardim Botânico. "Que rua?", perguntou ele. "O senhor não está entendendo", expliquei-lhe, "não quero ir ao bairro e sim ao Jardim do bairro." Não sei por que olhou-me um instante com atenção.


Deixei abertas as vidraças do carro, que corria muito, e eu já começara minha liberdade deixando que um vento fortíssimo me desalinhasse os cabelos e me batesse no rosto grato de olhos entrefechados de felicidade.


Eu ia ao Jardim Botânico para quê? Só para olhar. Só para ver. Só para sentir. Só para viver.


Saltei do táxi e atravessei os largos portões. A sombra logo me acolheu. Fiquei parada. Lá a vida verde era larga. Eu não via ali nenhuma avareza: tudo se dava por inteiro ao vento, no ar, à vida, tudo se erguia em direção ao céu. E mais: dava também o seu mistério.


O mistério me rodeava. Olhei arbustos frágeis recém-plantados. Olhei uma árvores de tronco nodoso e escuro, tão largo que me seria impossível abraçá-lo. Por dentro dessa madeira de rocha, através de raízes pesadas e duras como garras - como é que corria a seiva, essa coisa quase intangível que é a vida? Havia seiva em tudo como há sangue em nosso corpo.


De propósito não vou descrever o que vi: cada pessoa tem que descobrir sozinha. Apenas lembrarei que havia sombras oscilantes, secretas. De passagem falarei de leve na liberdade dos pássaros. E na minha liberdade. Mas é só. O resto era o verde úmido subindo em mim pelas minhas raízes incógnitas. Eu andava, andava. Às vezes parava. Já me afastara muito do portão de entrada, não o via mais, pois entrara em tantas alamedas. Eu sentia um medo bom - como um estremecimento apenas perceptível de alma - um medo bom de talvez estar perdida e nunca mais, porém nunca mais! achar a porta de saída.


Havia naquela alameda um chafariz de onde a água corria sem parar. Era uma cara de pedra e de sua boca jorrava a água. Bebi. Molhei-me toda. Sem me incomodar: esse exagero estava de acordo com a abundância do Jardim.


O chão estava às vezes coberto de bolinhas de ararueira, daquelas que caem em abundância nas calçadas da nossa infância e que pisamos, não sei por que, com enorme prazer. Repeti então o esmagamento das bolinhas e de novo senti o misterioso gosto bom.


Estava com um cansaço benfazejo, era hora de voltar, o sol já estava mais fraco.


Voltarei num dia de chuva - só para ver o gotejante jardim submerso.



Nota da autora: peço licença para pedir à pessoa que tão bondosamente traduz meus textos em braile para os cegos que não traduza este. Não quero ferir os olhos que não veem.